Essa teta não te serve mais!

Nutrir, expandir e alimentar corpo e alma em um encontro só. Amamentar uma nova vida implica em inúmeras transformações na vida de uma mulher. Essa missão é carregada de aprendizados e de experiências marcantes.
Saber finalizar esse vínculo que demandou muita energia e presença durante todo o tempo que foi possível pode auxiliar muito no desenvolvimento dos vínculos que virão em seguida. O lugar de encontro, afeto e cuidado deixa de ser exclusivamente aquela teta e passa a ter muitas outras caras e formatos.
Mas como é difícil abrir mão de algo que sempre nos serviu tão bem.

Estamos vivendo uma transição coletiva de desmame.
Se o começo da pandemia nos parecia muito com um processo de puerpério, agora já prevejo o tempo de desmame.
Nos chocamos com inúmeras transformações no ano passado que nos amorteceram pelo tamanho impacto repentino que causaram. Lidamos com muitas dores, muitos lutos e um batalhão de informações mundiais.
Esse lugar do inesperado nos fez correr em direção o que nos parecia ser mais seguro. Fez muitos de nós voltarmos a conviver mais com os nossos familiares em níveis intensos e somados com a força do isolamento.

Para além do espaço físico seguro, voltamos também para as referências de vida e de pensamento que vieram antes de nós e que serviram por muitas décadas. Modelos anteriores de como lidar com guerras, muitas mortes e escassez. Buscamos na história de nossos antepassados pistas de como viver o nosso hoje.

Esse processo é válido e importante. Sou uma grande defensora do acesso a memórias ancestrais como uma forma de enriquecer nosso conhecimento pessoal, mas é necessário que se faça uma reavaliação no contexto que vivemos agora e de como era muitos anos atrás.

Acompanhar o movimento de busca por equidade em todos os âmbitos possíveis da nossa vida e notar o grande desconforto que isso gera em uma sociedade conservadora me faz criar a imagem mental de uma fonte que antes servia muito bem e hoje em dia não deve ser mais utilizada. Quando um grupo que sempre foi considerado minoria e foi marginalizado começa a secar a fonte de quem se beneficia com o ato de sugar, vai existir algum tipo de resistência.
Desmamar uma sociedade misógina, homofóbica, machista e patriarcal é dizer para quem sempre se nutriu da energia de outras pessoas, que elas não vão ter mais esse privilégio.

É preciso dizer: essa teta não te serve mais!

Esse peito vai servir para peitar o mundo!
Para mudar o que está mais do que na hora de ser transformado.

Enquanto existe um ser humano entre o peito de uma mulher e o mundo o foco dela sempre será a segurança desse que está ali se nutrindo e crescendo graças a sua dedicação. A segurança será a prioridade e tudo que for preciso para garantir o melhor para esse Ser será alcançado, mesmo que interfira em todos os papéis que ela ocupa no mundo. A prioridade de uma mulher que amamenta é passar toda a vida possível para quem está ali mamando.

Quando entre o peito e o mundo não existe mais uma outra vida, a força do embate ganha o dobro de motivos para existir. A fonte que antes nutria a outros passa a nutrir-se de si.

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