O que aprendi depois que você partiu

Fazem cinco anos que o dia começou meio confuso, pra você e pra todos nós. Aquele dia que funcionou fora do tempo, nada mais existia a não ser você. O dia que você mais existiu eu estava ali pensando como seria uma vida sem a sua presença. Como vai ser me formar, casar, ter filhos, conquistar qualquer coisa maravilhosa na minha vida e não poder compartilhar com você ali me olhando no olho. E como iria ser os momentos difíceis de tudo isso sem poder te consultar, perguntar o que era melhor fazer naquele momento ou basicamente pra me dar um colo e dizer que eu só precisava ter calma que tudo ia se ajeitar.

Esse pensamento ia e vinha enquanto fazíamos todos os procedimentos no hospital, falávamos com médicos, recebíamos a família que já sabia que precisava se despedir. E era agora! Não tinha mais como ser depois, como acreditar que ia ter tempo… todas aquelas conversas que tivemos distante de você e onde eu insistia em falar: “aproveitem todo e qualquer momento que vocês tiverem com ela. Visita, dá carinho, diz o quanto é importante, repensa na relação, tira foto, faz o que precisar, mas vai, já” naquele momento faziam mais sentido pra todo mundo. O que era pra ser 3 meses virou 15 dias.

E naquela noite, depois da sua partida e depois de já ter feito toda a parte burocrática de escolher roupa, ir na funerária, decidir horário de enterro, escolher caixão, avisar todo mundo. Depois daquele dia insano a minha vontade era de dançar. Senti vontade, falei sobre isso, mas não dancei. Achei que seria estranho demais eu estar dançando depois de você partir. Mas na verdade eu estava aliviada de ver que você não estava mais sofrendo. Queria dançar sua liberdade desse corpo que já não te cabia mais. Você expandiu os limites da carne e tomou outra dimensão. E era isso que eu queria dançar. Mas eu não entendia isso ainda. Não sabia que a dança também é um rezo, uma oração. Não sabia o quanto que esse dia precisava ser ritualizado e celebrado. Mas hoje eu sei e é sobre isso que eu quero dizer. Sobre o que aprendi depois que você partiu.

Eu aprendi que pra realizar o que eu desejava eu precisava dar um primeiro passo e que tudo bem se fosse sozinha. Mas eu precisava me movimentar e começar a pensar no que eu queria. E eu fui lá conhecer outro continente, outra cultura, outras formas de viver. E fiz amigos queridos e saber que tem gente que gosta de mim em outros lugares desse planeta me faz mais feliz.

Eu aprendi a dizer não.

Eu aprendi sobre a importância de reconhecer o meu lugar dentro da nossa família e de toda a nossa história.

Eu aprendi sobre pertencimento quando fiquei um tempo cuidando da vovó e ajudando ela a tomar banho. Do mesmo jeito que te ajudei. E reconhecendo uma na outra, e me reconhecendo em vocês duas. Foi forte. Nunca era só um banho, era eu revisitando as marcas do corpo, as formas, as cores, textura e me vendo ali também. Fui até onde consegui ir!

Eu aprendi que quando eu uso a minha dor em serviço do cuidado de outras pessoas eu me curo também. Aprendi isso enquanto atendia cada uma das pessoas que as vezes me lembravam tanto você.  Já sai de atendimento e fui chorar no carro o fato de ter acabado de ver na casa de outras pessoas e no olhar de outra pessoa tudo aquilo que já foi nosso. Mas me vi fortalecida também quando fiquei de mão dada com um outro ser humano até o coração dele parar de bater, simplesmente pela presença e tranquilidade que era tudo que eu podia ofertar naquele momento e que eu sabia da importância que tinha.

Eu aprendi a ser MUITO grata por poder caminhar sem dor. Então eu caminho bastante, e cada vez mais. Adoro sair andando por ai e preciso estar em movimento.

Eu aprendi a te perdoar por ter me deixado tão cedo. Eu tinha planos pra nós. Eu tinha planos para os meus filhos com a vó deles. Eu tinha planos.

Eu aprendi a planejar menos e deixar a vida fluir mais.

Eu aprendi a honrar a sua história e a aceitar cada decisão que você tomou. A vida era sua e você fez o melhor que pode sempre.

Eu aprendi que não da pra viver só de amor. E essa doeu demais!

Eu aprendi que eu recebo o amor que eu acredito que eu mereço.

Eu aprendi a tornar todos os encontros momentos únicos. Pra fazer as pessoas prestarem atenção que estão vivas e que estão aqui e agora.

Eu aprendi mais ainda sobre amor e respeito quando, no casamento do seu irmão, eu perdi o anel que era seu e que eu estava usando naquele dia dentro da piscina e todo mundo começou a procurar. E depois de muito tempo quando já estávamos desistindo e finalmente ele foi encontrado como todo mundo caiu no choro comigo. Como todo mundo entendia o valor daquele momento.

Eu aprendi sobre coragem quando decidi sair de situações, lugares e relações quando elas já não me faziam bem. Mesmo eu querendo tanto estar ali por vários outros motivos.

Eu aprendi muitas coisas nesses cinco anos. Todos os dias. Mas a melhor delas foi aprender que eu consigo te acessar de todo e qualquer lugar. Que você segue nos meus passos, segue vendo comigo a vida acontecendo e segue cuidando do meu caminho. Em todo lugar que eu chego eu sinto seu cuidado através de alguém ou de alguma situação. Seu toque está em tudo e naquele dia 26 de Agosto, se alguém tivesse me dito que eu te sentiria tão presente como eu te sinto hoje, eu não acreditaria.

 

Fui ver o sol nascer hoje. Tenho feito muito isso e hoje entendi um pouco mais sobre o porque isso me faz tão bem. Pra te celebrar transbordei nosso amor na areia e deixei nosso recado pra quem passasse por ali.

 

One thought on “O que aprendi depois que você partiu

  1. Que maravilhoso te ler. Obrigada. Obrigada. Obrigada. Me ajudou a chorar um choro que precisava hoje. Me movimenta em muitos sentidos.

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